Estudos sobre bactérias intestinais podem ajudar a detectar tumores

Estudos sobre bactérias intestinais podem ajudar a detectar tumores

Pesquisadores brasileiros identificaram 16 bactérias na microbiota intestinal capazes de detectar câncer colorretal em estágio inicial com acerto superior a 80%. O estudo, publicado na revista Nature Medicine, analisou 969 amostras fecais de diferentes populações. 

O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima 45.630 novos casos anuais de câncer colorretal para o triênio 2023-2025, sendo 21.970 em homens e 23.660 em mulheres. O tumor representa cerca de 10% do total de diagnósticos oncológicos no país e é o segundo tipo mais incidente.

Entre 2015 e 2019, foram diagnosticados 65% dos casos de câncer de intestino em estágios avançados, em todas as faixas etárias, segundo o próprio INCA. A radioterapia conformacional integra os protocolos terapêuticos para esses casos, especialmente quando combinada com outras modalidades de tratamento. Em 2022, o Sistema de Informações Hospitalares (SIH/DATASUS) registrou 95.953 internações por câncer colorretal, com taxa de 47,2 internações por 100 mil habitantes. A concentração chega a 70% dos casos nas regiões Sudeste e Sul.

Fusobacterium nucleatum aparece como principal marcador

A bactéria mais estudada para a detecção de câncer colorretal é a Fusobacterium nucleatum (F. nucleatum), já que pesquisas mostram associação entre altos níveis desse microrganismo no intestino e pior prognóstico pós-operatório.

Alguns grupos de cientistas defendem que a quantificação de marcadores microbianos fecais funcione como teste de rastreamento em pessoas assintomáticas, isoladamente ou combinada com exames imunoquímicos fecais (FIT). Os fatores de risco do câncer de cólon e reto incluem alterações no microbioma intestinal, conforme demonstram os estudos recentes sobre disbiose bacteriana. Os alvos incluem a Fusobacterium nucleatum, a Lachnoclostridium sp.m3, a Bacteroides clarus e a Clostridium hathewayi.

Quando médicos associam o FIT à análise da abundância de Fusobacterium nucleatum, a área sob a curva (AUC) para detecção de câncer colorretal salta de 0,86 para 0,95. Outro modelo diagnóstico biológico, composto por Fusobacterium, Parvimonas, Bacteroides e Faecalibacterium, pode servir como teste não invasivo de fezes para diagnóstico precoce.

Outro estudo, este publicado no periódico Journal of Gastroenterology, analisou 100 tecidos de câncer colorretal e 72 tecidos normais para medir o nível de F. nucleatum. Os resultados mostram que pacientes em estágio IV apresentam os níveis mais altos da bactéria, o que ajuda a prever o prognóstico clínico. A pesquisa sugere que o teste tem maior precisão quando combina quatro fatores: níveis de F. nucleatum, sangue oculto nas fezes, sexo e idade do paciente.

Dieta e fatores culturais alteram composição de bactérias intestinais

O microbioma intestinal humano reúne trilhões de microrganismos, incluindo bactérias, vírus, fungos e arqueias. Essa comunidade influencia a digestão, a absorção de nutrientes, a resposta imunológica e a integridade da barreira intestinal.

Devido a fatores ambientais, dietéticos e culturais, a composição microbiana varia entre regiões do mundo. Populações ocidentalizadas apresentam maior predominância de Bacteroides, enquanto populações não ocidentalizadas registram prevalência maior de Prevotella.

Essa diversidade microbiana é um fator determinante para a manutenção da homeostase, ou seja, o equilíbrio interno do organismo. Um exemplo são os estudos que demonstram como indivíduos com dietas ocidentalizadas, ricas em gorduras saturadas e carboidratos refinados, apresentam uma redução na diversidade microbiana e aumento de microrganismos associados a processos inflamatórios.

Metagenômica pode superar exames convencionais em precisão

Os testes metagenômicos têm alta precisão no diagnóstico de doenças inflamatórias intestinais, com áreas sob a curva superiores a 0,90. Essa precisão supera a calprotectina fecal, biomarcador tradicional. 

A capacidade diagnóstica da metagenômica se estende a diferentes tipos de câncer e ainda permite correlacionar a microbiota com distúrbios metabólicos como diabetes e obesidade. A técnica sequencia o DNA da amostra e detecta qualquer microrganismo, enquanto métodos complementares como o gene 16S rRNA identificam apenas bactérias e o qPCR quantifica espécies específicas. Os swabs retais, por sua vez, funcionam como alternativa viável à coleta de fezes. 

Falta de diretrizes dificulta uso dos testes na rotina médica

Ainda hoje, a definição de um microbioma “saudável” como referência segue um obstáculo, agravado pela falta de diretrizes para interpretar exames. As reações da quimioterapia são outro campo em que o conhecimento sobre microbioma pode influenciar o manejo clínico dos pacientes. Essa ausência de protocolos dificulta a tradução dos achados para condutas terapêuticas, que já exige integração entre gastroenterologia, oncologia, microbiologia e medicina laboratorial. 

O INCA projeta aumento de 10% na mortalidade prematura por câncer de intestino até 2030, com diferença de cerca de 27 mil mortes prematuras projetadas. Para especialistas, os programas de rastreamento precisam considerar as disparidades regionais do Brasil, já que essa mortalidade tende a crescer. 

Uma das travas para evitar esse crescimento é a diretriz da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) que recomenda que as pessoas façam os exames de triagem para câncer colorretal a partir dos 45 anos.